Eu conheci todos os meus avós, os de pai e os de mãe. Também conheci todos os meus bisavós, menos a vó Cinda. É porque, na verdade, nem a minha mãe conheceu a vó Cinda, ela morreu quando a minha avó tinha só dezessete anos. Mas conheci a vó Isabel, que casou com o vô Lucidoro depois que a vó Cinda morreu.
Bem, de todos os meus avós, só perdi o vô Gomercindo. E era sobre isso que eu queria falar: sobre ele e sobre o vô Emílio. E sobre como os dois são tão opostos.
O vô Gomercindo era pai do meu pai. Ele era gaúcho. Tomava chimarrão, comia pinhão, gostava de fogão a lenha, falava grosso "ô, meu!" e tinha as mãos cheias de calos porque ele era escultor e dono de uma funerária. E ele sempre teve que trabalhar muito pesado porque tinha dez filhos e um sobrinho pra criar.
O vô Emílio é pai da minha mãe. Ele é mineiro. Ele toma vinho, gosta de manjar branco, só almoça tomando água gelada, fala baixo e não chama ninguém por apelido. Eu sou Carolina, meu irmão é Daniel e minha irmã é Giovana. Nada de Carol, Dani e Gi. Ele foi professor de contabilidade por muitos anos e só teve quatro filhos. Depois teve mais um.
O vô Gomercindo me levava pra pescar, andar de bicicleta, escolher doces de procedência duvidosa na mercearia e conhecer as histórias do cemitério onde passou boa parte da vida(pode acreditar).
O vô Emílio se separou da vó Iracelis quando eu tinha quatro anos. Ele almoçou na nossa casa por um ano depois disso. Ele trabalhava numa cooperativa de laticínios e trazia um pote contendo um quilo de doce de leite sempre que acabava o anterior.
O vô Gomercindo nos buscava na escola com o carro da funerária, montava cabana no fundo do quintal, plantava árvores com a gente.
O vô Emílio se orgulha das nossas conquistas escolares, me elogiava quando eu tocava teclado, às vezes liga nos aniversários.
Uma vez o vô Emílio me deu um tênis caro de presente. Ele é, sempre foi, um lorde.
Uma vez o vô Gomercindo deu uma enxada feita por ele de presente pro meu irmão. Ele era, sempre foi, um guerreiro.
O vô Gomercindo mudou-se pra "longe" quando, depois de sete anos doente, acabou falecendo, quando eu tinha doze anos.
O vô Emílio mudou-se pra "longe" quando, depois de trinta anos de casados, separou-se da vó Iracelis e foi morar a 30 km de onde eu moro.
Curti cada um deles da forma que me foi possível. Nenhum deles foi menos avô que o outro.
A falta que eu sinto dos dois é imensa. De um por ter aproveitado muito. De outro por ter aproveitado pouco.
As faltas são distintas, o amor é o mesmo.
Pro vô Gomercindo, onde quer que esteja, um beijo imenso de quem espera ter ao menos dez por cento da sua força.
Pro vô Emílio vou ligar amanhã, pra mandar um beijo imenso de quem espera ter ao menos dez por cento da sua delicadeza.
[Carolina]
*A quem esperava piada pronta, um lado instrospectivo desta que vos fala. É que deu uma saudade dos dois, de repente!